“O meu link já chegou?”
Em pouco tempo, passamos da normalidade de um cotidiano escolar para formas de existir completamente inéditas para todos em escala mundial. A organização da semana em alternância de períodos entre casa e escola e a nossa sensação da passagem do tempo pautada por esta ordem foi completamente bagunçada.
A escola e as famílias não tiveram chance de escolha: foram obrigadas a seguir muitas outras formas de ajustarem-se entre si.
Sem dúvida, cada um tem lidado com a situação das maneiras com as quais consegue. Simplesmente.
Passado o susto inicial e as medidas coletivas mais imediatas, juntos percebemos e cuidamos das singularidades nas relações entre a escola, as famílias e, principalmente, as crianças. A confiança mútua tem sido primordial mais do que nunca.
Temos recuperado aos poucos a experiência de que a qualidade dos encontros sempre foi o pilar principal da educação. Por muito tempo ofuscado pela ciência e pelo conhecimento como status, o confinamento tem-nos dado a oportunidade de conviver com o contato pedagógico e suas características peculiares. Tem sido possível acompanhar o trabalho das professoras ao conduzirem a atenção das crianças aos infinitos e novos mundos das sensações, das cores e sons, de alguns porquês, de tantas perguntas, dos sabores e formas inimaginados. Tudo isso acontece brincando! Paciência e tolerância têm sido virtudes em evidência em nossos lares.
A concentração presente no brincar, verbo tão utilizado no universo da criança, pode agora ser testemunhada como um estado a ser cuidado. É nas brincadeiras propostas pelas professoras que a criança tem a chance de elaborar as imensas transformações que estamos atravessando: em ato, em uma chamada “zona intermediária”, a criança coloca algo de si, suas alegrias e angústias, e traz algo de fora, do novo, imaginando e experimentando com afinco as inúmeras possibilidades. Ela repete e faz de conta de novo só para sentir como poderia ser diferente!
A socialização e o brincar são a base da Educação Infantil. Como mantê-la à distância e mediada por dispositivos eletrônicos por vezes nocivos ao desenvolvimento infantil?
A atual organização do nosso dia-a-dia destaca uma função fundamental da família no funcionamento pedagógico: a de possibilitar dentro de casa as condições espaciais e temporais para que a criança se encontre consigo mesma, com a professora, com os colegas de turma, com novos conteúdos.
Antes da pandemia, havia uma ordem específica e habitual de ações a serem realizadas na companhia dos pais e responsáveis até a criança estar junto dos colegas na sala de aula com a professora: colocar o uniforme, preparar o lanche e o material, almoçar, escovar os dentes, esperar o adulto se aprontar, esperar a van chegar e/ou acompanhar pela janela do carro a duração do mesmo trajeto diário até a porta da escola, carregar a mochila até a sala e encontrar os rostos conhecidos… Este era o ritual que possibilitava aos alunos um tempo de preparação e alternância de um ambiente para outro, o de aprendizagem formal. E agora? Como, dentro de casa, propiciar esta transição necessária?
Atualmente, tem ocorrido uma reconfiguração importante: se antes a professora mantinha um contato direto com as crianças e a família acompanhava de longe, experimentamos a novidade de, agora, a família estar junto, em meio às atividades e as crianças dependentes do preparo do ambiente – computador, celular, materiais. Não tem jeito.. se a família não possibilitar a aproximação da criança ao novo comportamento, o hábito será frágil e, mais do que a internet, a desconexão principal ocorrerá entre a criança e as atividades escolares. O ritual é fundamental!
A recorrência de pequenos gestos diários para a organização dos encontros virtuais tem-se mostrado muito importante. Fazem diferença: inventar um “cantinho da escola”, que a criança perceba sua corresponsabilidade em criar e cuidar e que favoreça uma menor dispersão; o tamanho (layout) da imagem, a qualidade do som do dispositivo utilizado (computador, tablet ou celular) e a posição fixa do aparelho;
“- Mesmo tendo calendários à disposição pela casa, ele nunca demonstrou interesse, ainda que junto da irmã mais velha, dedicada e caprichosa com esta tarefa… Agora dentro de casa, a rotina proposta pela escola ganhou vida! Ele conquistou uma consciência do tempo: se hoje teve encontro síncrono, amanhã não tem.” (Giovanni, 04 anos)
Esta noção cronológica é um exemplo da relevância e reverberação das atividades da escola realizadas em casa, uma vez que a aprendizagem transborda o breve momento síncrono e alcança outros círculos e vínculos afetivos.
A capacidade de aprender com a situação é de todos nós!
E como foi a Festa Junina?!! O calendário, o planejamento, listas, registros, correio elegante, escritas significativas, pesquisas sobre as brincadeiras e comidas típicas, a dança em família, a decoração da casa, que trouxeram de volta um pouco do tempo e do espaço daquilo que sempre foi a experiência na escola. Ahh… isso tudo daria assunto para um outro texto…
Fortalecemos nossa confiança no valor dos encontros deste período à partir do retorno e relato das famílias. Os pais têm aprendido e expressado a importância das miudezas, dos detalhes, dos pequeninos gestos de descobertas contínuas das crianças. Pela maior convivência, tem sido possível perceber.
Temos certeza de que a solidariedade e a esperança serão um importante legado desta pandemia e ficamos reconfortados em sentir que, junto das famílias, as prioridades a serem valorizadas são comuns.
O fazer e aprender juntos, crianças, escola e famílias, não será temporário e acreditamos que todo o distanciamento possa ser experimentado como vida no tempo presente.
Quanta transformação, hein?!
Michelle B. Federici
Coordenadora Pedagógica