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Alfabetização

ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE EDUCAÇÃO REMOTA

02/06/2020

A alfabetização vem ganhando espaço nas discussões trazidas pela educação remota, por conta da maior aproximação das famílias no processo de desenvolvimento que se dava, antes da quarentena, no cotidiano da sala de aula e que agora se dá em casa. E assim, dúvidas, inseguranças, estranhamentos e incompreensões sobre a concepção construtivista de alfabetização acabam se tornando mais frequentes. Afinal, as famílias e responsáveis pelas crianças raramente são pedagogos.

O processo da alfabetização se constrói numa prática social da língua. Sendo assim, convidamos vocês a olhar de forma  positiva para este momento de isolamento social, pois ele pode ser imensamente rico para as crianças, famílias e professores, já que há a oportunidade de aproximar ainda mais a escola da vida das crianças. 

Mas de que maneira, isso pode acontecer?

Pensemos que na concepção de nossa Escola, a leitura, a escrita e a oralidade se dão a partir de práticas de linguagem, ou seja, do seu uso em situações reais de comunicação. 

Quem, em casa, nesses tempos, não precisou consultar o Google, ou mesmo o livro de receitas da mãe ou a da avó, para fazer uma comidinha especial? Essas são situações cotidianas em que o uso da leitura tem uma finalidade, tem um contexto, se faz necessária para algum fim. 

Pois então, olhemos para esta situação como um rico momento de prática de linguagem. Que aprendizagens estão em jogo? Houve a necessidade de leitura para dar conta de um objetivo claro, necessário e concreto para quem iria ler: é preciso desvendar esse sistemos de leitura para realizar a receita, pois se quer comer um determinado alimento. Existe aqui uma problematização muito rica: caso não se decodifique corretamente as palavras e a forma com que estão organizadas no texto de receita, com o título, os ingredientes e o modo de fazer, poderá não sair o que se espera.

E perguntamos mais a fundo: sabemos que é preciso ler, mas como isso acontece se as crianças estão em momentos diferentes de leitura? A família lerá tudo para eles? Os deixará ler alguma parte? Ou mesmo uma palavra? Como é possível valorizar os saberes de meu filho(a) que ainda não lê convencionalmente e com fluência?

Antes de mais nada, é importante que nos coloquemos no lugar dos pequenos não alfabéticos que, diante de um texto, procuram decifrá-lo fazendo uso do conhecimento que já possuem. Para se aproximar do que uma criança vivencia ao ler um sistema de escrita que não domina, convidamos você para ler o texto a seguir, imaginando que a língua estrangeira usada seja desconhecida para você. Mas a proposta é que mesmo assim você não desista e se arrisque a lê-lo.

Então, como foi sua experiência?

Talvez você tenha logo percebido que se trata de uma receita. Como foi possível chegar nessa ideia? O que foi considerado do texto para compreendê-lo?

Não se lê somente as palavras num texto, percebeu isso? Não é necessário decodificar todo o sistema nele presente, seus fonemas, suas combinações para entendê-lo. Mas ler se trata de fazer uso daquilo que você já é capaz de identificar e relacionar indícios, pistas com os saberes e experiências que estão acessíveis ao seu repertório de leitura. Isso significa que existe uma relação indissociável entre conteúdo e forma do texto, ao se ler, seja ele qual for.

Assim, com certeza, a forma do texto te levou a crer que se trata de uma receita, pois se sabe que a forma deste texto está organizada em: nome da receita, ingredientes e modo de fazer. A partir daí, foi possível inferir o que estava escrito. Esse exercício de leitura que propusemos rompe com o paradigma de que para se ler é necessário estar alfabetizado, ter conquistado o código da escrita. Ler é muito mais que somente isso. O processo de alfabetização que propomos vai além da decodificação da escrita, pois leva o aprendiz a usá-la em contexto real, dando-lhe significação e função, o que favorece a vontade de entender o que está escrito. 

Partindo da ideia que expusemos acima, é muito importante que, em casa, as famílias deixem a criança experimentar  “ler”, e não olhar como um erro quando ela ainda não lê o que de fato está escrito.  É olhar para essa leitura como uma construção de um saber que ainda não se conhece, mas que se está aprendendo. É fundamental focar no que ela já sabe e não no que ainda não conquistou. Por exemplo: na sala de uma criança criança do G3 e 1º ano o nome de uma amiga é Aline e no texto há uma fruta que também começa com A, como ABACAXI, então é possível propor que ela leia essa fruta sem precisar decodificar todos os seus pedaços, como aconteceu com você ao ler a receita em alemão. Explicando melhor, pode-se apontar para os ingredientes e pedir que ela descubra onde está escrito ABACAXI, já que ALINE, que ela já sabe ler, começa também com o mesmo som de A.  Ainda é possível pedir que ela diga onde estão escritos os ingredientes, pois conhece a forma deste tipo de texto, como você também conhece e usou deste indício para ler. 

Se vocês estiverem fazendo uma torta de banana, podem perguntar: onde deve estar escrito BANANA, XÍCARA, COLHER, OVOS ou quantidades?  Podem mostrar também para ela em que parte da receita vocês estão, para que possa acompanhar o texto e o desenrolar da produção: “Ah, aqui pede quantas xícaras, mesmo? Então, vamos pegar e colocar na travessa.” 

E assim se dá a experiência de ler com sentido e fazer a receita.

Com certeza “ler” junto com a família para preparar o alimento e depois comer, tornará a experiência dessa leitura objetivamente necessária e viva. Isso é prática de linguagem.

E por que tratar a alfabetização dessa forma é a melhor possibilidade?

Se traçarmos um comparativo com propostas que tratam a alfabetização como um processo mecânico de aquisição do sistema de escrita, sem contexto significativo, separando forma de conteúdo, nos depararemos com atividades como a seguinte:

 

 

Atividades como essas, isoladas de um contexto real, fora das práticas de linguagem, consideram mecânico o processo de alfabetização, embora, aqueles que vivenciaram a alfabetização dessa forma possam pensar que quando as crianças realizam muitas dessas propostas, aprendem melhor, já que há uma quantidade de produções aparentemente maior e repetitivas. Mas se as compararmos com a da receita, fica clara a diferença na qualidade de sentido, de atitude como leitor que relaciona forma e conteúdo, pois estamos formando crianças que saibam usar a escrita e a leitura nos seus diferentes papéis, isso desde pequenas,  e não para usá-las em exercícios que distanciam essas ações de suas funções reais. Assim, podemos perguntar: para quê ler uma lista cheia de palavras que começam com a letra X? Onde, na vida, na sociedade, aparecem esse tipo de texto para se ler?  A escola deve oportunizar às crianças textos que circulam socialmente e que lhes façam sentido.

E escrever? Sim, escrever também se aprende em contextos significativos em que a função, a necessidade estejam presentes.

Pensando no período de isolamento social, onde a escrita para a criança pode aparecer? Vejam só essa lista: 

– Lista de compras

– Bilhetes de um para o outro

– Escrever nas brincadeiras (de jogo, de faz de conta – que tal escrever a receita do médico, o cardápio do restaurante…

– Lembretes das tarefas do dia

– Cartão para alguém especial 

Estas são situações de escrita muito significativas neste contexto de isolamento social porque estão atreladas às atividades presentes no cotidiano. Desta forma, é possível convidar as crianças a escreverem ou participarem dessa escrita, permitindo que escrevam conforme pesam. Afinal, o que estamos dizendo? 

Que se deixe as crianças escreverem livremente, sem que se olhe para seu texto querendo que elas escrevam como nós, pessoas que já adquirimos este saber. Elas estão no processo de aprender e permitir que em casa escrevam com acham que se escreve é o melhor a se fazer. Recomendamos então, que não se corrija essas escritas, a não ser que as crianças façam perguntas a respeito de como se escreve uma ou outra palavra.

Reiteramos que os familiares e responsáveis pelas crianças, não necessariamente, detêm os saberes pedagógicos do professor construtivista, por isso a Escola Verde continua seu ensino remotamente, assegurando as interações ao vivo com a professora que faz as intervenções assertivas para favorecer os avanços na aquisição do sistema de escrita.

É fundamental que se compreenda que a escolha pelas práticas de linguagem, caminho que nós da Escola Verde trilhamos para tratar da alfabetização, remota ou presencialmente, se baseia em estudos práticos e teóricos que pesquisadoras como Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que há anos se debruçam sobre o tema da aquisição da leitura e escrita.

Para concluir, é imprescindível que, nesses tempos de ensino remoto, a escola e família tenham claras as suas responsabilidades. Nesse texto, nos ocupamos em explicar como se dá o processo de ensino e aprendizagem da língua escrita. No entanto, não podemos perder de vista a distinção dos papéis que cabem a cada uma. Enquanto a escola é responsável pelas proposições e intervenções sobre as produções das crianças, e sempre tem intenções didáticas, cabe às famílias possibilitar um ambiente favorável e prazeroso para que elas se sintam à vontade em fazer uso dessas práticas sociais, no convívio cotidiano, sem intenção pedagógica. 

Como acontece no ensino presencial, agora no remoto, as famílias podem e devem continuar encontrando na Escola o apoio para melhor vivenciar esse processo de alfabetização de seu filho(a).

 

Mariana Nardelli e Valéria Pimentel

 

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